criado na sexta-feira, 5 de setembro de 2003, 17:36:10
EPISÓDIO: JACQUES TATI E MEU TIO.
Hoje apresentaremos a visão de dois estudantes de arquitetura sobre Jaques Tati, sobre o filme Mon Oncle, Recomendo . Eu cresci assistindo seus filmes quando os cinemas eram na beira das calçadas .
Uma belíssima melodia francesa envolve o clima de Saint-Maur; Duque se une aos vira-latas e, numa caligrafia infantil escreve-se o título do filme. Os tons pastéis caracterizam a paisagem. O verdureiro e o açougueiro, os velhos e as crianças, senhores e senhoras realizam as mais diversas atividades no mesmo espaço. O varredor controla seu tempo e com ele dialoga; ora varre, ora conversa, ora conversa novamente. De longe o comerciante negocia com a senhora.
A praça é palco de intensas trocas sociais, lazer e dever convivem juntos em harmonia. O ritmo é lento, humano, e o automóvel não habita tal espaço.
É neste cenário que aparece um senhor alto, vestindo uma longa capa de chuva e calças curtas, chapéu e gravata-borboleta, um guarda-chuva que nunca é por ele aberto. Monsieur Hulot é o famoso personagem criado e interpretado por Jacques Tati. Ele entra em sua casa e revela o que há por trás da fachada, até então misteriosa parede do recinto urbano. Seu caminho é fantástico, bem como o passarinho que canta somente quando na presença da luz do sol. E esse é o mundo de Jacques Tati: onde predomina o diálogo e as pessoas se conhecem; onde, acima de tudo, reforçam-se as relações humanas.
Os olhos da casa, intrigados, buscam descobrir quem lhes cortou os simétricos ramos da trepadeira. No mundo moderno, as regras precisam ser seguidas, as pessoas, vigiadas. Na casa “tudo se comunica”, todos os vazios se comunicam. Sortie indica a saída! O moderno não admite falhas. Suas máquinas trabalham incessantemente fazendo uma longa mangueira: não há tempo para distrações. O lixo irá para Saint-Maur, transportado pela carroça, não pode permanecer na higiênica fábrica.
A modernidade transformou as relações e com essas mudanças perdeu-se um tanto da magia e da poesia do antigo saber-viver. A noção de tempo produtivo plantou-se em nossas cabeças de modo tão profundo que se torna hoje muito difícil derrubá-la. Um dia sem trabalhar é um dia inútil e, condicionados, acreditamos ser a verdade industrial a verdade absoluta.
A crítica de Tati é, no mínimo, brilhante. Para quem não acompanhou as referências, falo do filme Mon Oncle, de 1958, difícil período do cinema francês, mas foi no pós-guerra que fez sucesso o criador de Monsieur Hulot. E até o ferrenho Truffaut a ele se rendeu: este elogiou o domínio que o cineasta exercia durante a produção de seus filmes. Sem falar em seu perfeccionismo. Tati se foi na década de oitenta, mas deixou para nós cinco longas.
Jour de Fête conta à história do carteiro François que, após assistir a um documentário sobre o serviço postal norte-americano, decide aplicar os mesmos conceitos de eficiência e rapidez com sua bicicleta. Carrossel da Esperança. Em sua primeira realização já se fazia presente à mesma temática: o homem e a modernidade, as mudanças tecnológicas e sociais deste fenômeno decorrentes. Trabalhamos para comer, porém, no curto espaço de tempo que temos para fazê-lo, corremos. Por que trabalhamos tão neuroticamente se deixamos de nos alimentar? Trabalhar para viver, viver para trabalhar…
A modernidade não se trata apenas de um fenômeno material: invade o relacionamento entre as pessoas, entre os grupos, muda as relações sociais, dita a rotina tanto na fábrica quanto dentro de casa. A modernidade anda de mãos dadas com a cultura de massa e com o consumismo, tudo o que é tipo de moda, passageira e fugaz. Querer sempre melhorar a condição material, deixando de lado todo o resto! Falta de comunicação e desentendimento, tédio e apatia são seus sintomas.
Cada um se enfia sozinho em seu quarto, liga a televisão ou conecta se à internet: nela temos a oportunidade de conversar com alguém que sequer está ali, enquanto passa despercebido nosso companheiro mais próximo. Substituímos o rádio pela tv e, diante dela, tornamo-nos zumbis. Usamos o vocabulário que ela nos ensina, compramos os produtos que oferece, morremos de vontade de visitar seus cenários. Não somos, entretanto, todos assim, há aqueles que trazem consigo um pouquinho de Monsieur Hulot.
Playtime é o quarto longa-metragem de Tati. Um grupo de turistas norte-americanos chega à Paris moderna, idêntica àquela cidade da qual vieram, ou melhor, idêntica a qualquer outra contemporânea. O inglês padroniza toda a linguagem mundial, assim como o vidro e o metal. Um aeroporto, um edifício de escritórios, uma grande loja de departamentos, um restaurante, uma farmácia e até mesmo uma residência se assemelham na Paris moderna. E, no reflexo da fachada envidraçada, surge a velha Torre Eiffel.
Essa Paris não tem referenciais, não tem memória, não tem edifícios-monumento. Não sabemos onde estamos, a não ser quando encontramos a barraca da vendedora ambulante da esquina.Tati fez todas as pessoas iguais, vestindo os mesmos tons cinzas-azulados ou azuis-acinzentados, assim como fizeram os edifícios e seus ambientes internos, seus automóveis e suas ruas.
Através da fachada de vidro podemos assistir os fazeres da família residente – sua Privacidade e mistério desaparecem e sobra uma monótona imagem da vida.
JACQUES TATI E MEU TIO.
O desenvolvimento da tecnologia parece ser hoje ilimitado: já pisamos na Lua, já construímos um alto sistema de comunicação; mas nos falta solucionar problemas básicos de natureza humana. Apostamos todas as fichas na corrida tecnológica como solução para todos os problemas da saúde, para facilitar a circulação dos veículos, para comunicar dois países tão diferentes como China e Brasil, enfim, o moderno torna-se a solução, por incrível que pareça, a mais cômoda. Concentramos nossa esperança nas mãos de uma pequena porção de agentes detentores desta tecnologia.
Ainda assim, parece-nos faltar algo.
E não é à toa que se chama o filme Meu Tio: a figura de Gerrard, o garoto, é fundamental. Através de seu humor Tati desenvolve sua crítica mais dura. Dentro de casa, no ambiente dos Arpel, o sobrinho de Hulot, é triste, deprimido; junto do tio, nasce uma empolgação e alegria contagiantes: é exatamente este tipo de sentimento, o tipo do qual é difícil para eu escrever, a especialidade de Tati, expressa de forma incomparável. Nenhum texto argumenta melhor que o próprio filme; nenhuma crítica é mais bem escrita do que sentida em Mon Oncle. Face a face com Gerrard, todos os argumentos tornam-se vãos.
JACQUES TATI E MEU TIO O TEXTO FOI ELABORADO PELOS ACADEMICOS DA FACULDADE DE ARQUITETURA FERNANDA ROGGIA E DANIEL HIRTZ QUE DESENVOLVERAM SOBRE JACQUES TATI COMO MONITORES DO PROFº JOÃO ROVATTI NA CADEIRA DE EVOLUÇÃO URBANA.
Trilha Musical;
Chuck Berry em Sweet Little Sixteen, foi gravado em 1957 na mesma época que Jaques Tati filmou Mon Oncle.
Este programa é dedicado a todos os AMANTES DO CINEMA
Equipe Produtora e Executora.
Geraldo Costa
Bruno De Bem Rigatti.
Guto Vilanova.
E mail: TripMusical@Ibest.com.br
Colaboração.
Gilson DeCésar
Coordenação Geral
Profª Sandra de Deus – Diretora Responsável pela Radio AM 1080.