Lucio Costa 100 anos de arquitetura brasileira
1902 –2002
Passamos a apresentar um pouco do seu pensamento e da sua trajetória como um dos maiores pensadores do urbanismo mundial , que exprimiu a capacidade e a sensibilidade como criador de Brasília com seu olhar sobre as cidades que tanto amou com o nome chamado arquitetura e como referencia o HOMEM.
Começaremos com o poema escrito por Rubem Braga
Crônicas
“Aprender uma cidade é, na verdade, uma coisa lenta. È preciso, entretanto saber algumas coisas, e precisamos andar distraídos, bem distraídos, para reparar nessa alguma coisa”
Lucio Costa 100 anos de arquitetura brasileira
Em 1987 trabalhava no prédio do Palácio Gustavo Capanema no Rio de Janeiro no IPHAN(Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) , as vezes me encontrava no hall de acesso ao elevador , com um senhor de longos bigodes , e qual não era o meu orgulho em poder cumprimenta-lo com um boa dia ou boa tarde, mestre? Era a relação de um dia a dia de trabalho, a importância do encontro, que aqueles momentos representavam e se tornariam para mim , uma doce memória, o senhor o mestre que eu me refiro era Lucio Costa que se apresentava sempre esperando o elevador para ir até o 8º andar , com altivez de um nobre , simplicidade de um monge e serenidade de um mago.
Aquele momento tornou-se fruto da determinação de um período em que me permitiu o direito de sentir a atmosfera arquitetônica falar mais alto,naquele espaço onde o seu criador passeava todos os dias… Naquele mesmo ano compartilhava a sala com um colega arquiteto o Umberto Napoli que mantinha com todo orgulho a mesa de trabalho do mestre Lucio Costa, sempre que podia, exibia a régua “T” e os esquadros feitos em madeira com um orgulho fantástico, com uma doce brincadeira , marca de um troféu conquistado ,onde alguém deixou esquecido , pelos amplos andares daquele prédio.
A memória havia sido resgatada naquele instante, que pode parecer nada, mas para nós aquilo representava a nossa camisa 10, troféu de um craque. Em 1988 deixei o Rio de Janeiro… e às vezes me pergunto?…Por onde andarão aqueles pertences, talvez pouco importa ,afinal ele estava acima de tudo isto… Lembro-me que no governo Collor chegou a ser ameaçado de demissão por ser funcionário publico na impensada reforma administrativa, e que não mais poderia prestar a sua colaboração ao IPHAN que ajudou a criar.Lucio Costa arquiteto, profissão que tanto amava como a liberdade a fraternidade e a igualdade.
Para mim , compartilhei algo que o meu imaginário estabeleceu como elo de respeito e admiração aqueles momentos no hall do elevador do Palácio Gustavo Capanema com um dos maiores pensadores do Urbanismo que se transformou em um presente na minha memória , e que hoje transformo em homenagem a um dos maiores brasileiros.
Lucio Costa 100 anos de arquitetura brasileira
Texto de Hugo Segawa
Certamente Lúcio Costa é o arquiteto brasileiro que mais e melhor se expressou com o uso da palavra escrita, ao contrario da grande maioria de seus colegas, retóricos da prancheta. Não obstante ser autor de uma rarefeita obra construída e envolvido formalmente numa atividade docente apenas em sua breve passagem como diretor da Escola Nacional de Belas-Artes em 1930-31, suas reflexões permearam todo um projeto de inserção do Brasil na modernidade arquitetônica mundial a partir dos anos 30. No entanto, a difusão de suas idéias sempre esbarrou numa (ainda) intransponível dificuldade de acesso; usualmente seus textos e projetos foram impressos em obscuras edições de órgãos públicos cuja distribuição, no mais das vezes, se restringia aos meandros burocráticos ou aos corredores da oficialidade.
O pensamento de Lúcio foi preservado e ficou melhor conhecido graças a um ato de “pirataria” perpetrado por um grupo de estudantes de arquitetura de Porto Alegre ao publicarem – à revelia do autor a antologia Lucio Costa: sobre Arquitetura, em 1962, reunindo artigos, ensaios, pareceres, notícias e projetos. Alberto Xavier o então jovem estudante que ordenou aquele belo volume de textos e desenhos, recorda a inesperada reação de Lúcio Costa diante do grupo de incondicionais admiradores que lhe levavam até o Rio de Janeiro o primeiro exemplar daquele sincero esforço de homenagear o mestre; “Vocês sabem que estes trabalhos têm direitos autorais?’ fuzilou dr Lúcio.
Se eu quiser falar com Deus- Gilberto Gil
Lucio Costa 100 anos de arquitetura brasileira
Esses episódios alimentaram ainda mais certo folclore de isolamento, de introspecção pessoal e intelectual que crescia ao longo do tempo em torno dessa figura que, virtualmente nos anos 70, mergulhou num mutismo público sem precedentes, à exceção de raríssimas aparições na imprensa carioca. Isolamento que devemos creditar parcialmente, à sua maneira de ser; discreta, tímida e avessa a todo o discurso laudatório que sempre o cercou. Devemos creditar a possibilidade de estudar e discutir Lúcio Costa hoje a Alberto Xavier e ao grupo de asseclas-estudantes que na ocasião, pacientemente colecionaram as manifestações do mestre carioca e as reuniram na “edição pirata” e decerto, agora, é o próprio Lúcio que reconhece o trabalho dessas pessoas e sobretudo de Xavier presenteado com um exemplar de Sobre Arquitetura totalmente revisado pelo autor e encarregado de dar a orientação inicial para a organização de uma antologia completa da sua obra e pensamento, ora em fase final de preparação.
Águas de março – Elis&Tom
Lucio Costa 100 anos de arquitetura brasileira
Lúcio Costa é de uma admirável vitalidade e jovialidade extraordinária disposição física e irrepreensível memória, aliada a um olhar atento sobre o cotidiano que nos cerca. Foi o próprio dr Lúcio que se prontificou a me mostrar a casa de Helena e Luiz Fernando (sua filha e seu genro), obra que ele mesmo se encarregou de acompanhar ao longo de sua construção. No seu velho “fusca” seguimos do Leblon à Gávea, num percurso animado pelas atentas observações do mestre e uma verdadeira aventura no trânsito carioca…m seu retiro na ponta da avenida Delfim Moreira, registramos um bate-papo que tivemos numa tarde de junho passado. Comentários sobre fragmentos de uma longa trajetória, uma conversa aparentemente longa, mas curta para conhecermos um cidadão e uma figura com a experiência de vida de Lúcio Costa.
Lucio Costa 100 anos de arquitetura brasileira
Lúcio Costa nasceu em Toulon, França, em 1902, filho de brasileiros. Seu pai, oficial da marinha brasileira, desejou ter “um filho artista’ e Lúcio se diplomou pelo curso de arquitetura da Escola Nacional de Belas-Artes em 1924. Recém-formado, participou do movimento dito neo-colonial, liderado no Rio de Janeiro pelo médico José Mariano Filho. Com as novas diretrizes políticas decorrente da ascensão de Getúlio Vargas, em 1930 é convidado para dirigir a Escola Nacional de Belas-Artes, onde, por cerca de um ano, procurou imprimir uma orientação de arte e arquitetura modernas, contrapondo-se à tradição acadêmica e eclética. Organizou também o Salão de 31, referência na história das artes plásticas no Brasil, contando com a participação de artistas modernos do Rio de Janeiro e de São Paulo (os modernistas da Semana de 22). Fracassada a experiência de renovação na escola, Lúcio Costa e Gregori Warchavchik se associam para montar um escritório de arquitetura, de curta duração.
Lucio Costa 100 anos de arquitetura brasileira
Em 1936, o ministro da Educação e Saúde, Gustavo Capanema, rejeitando o anteprojeto da sede para seu ministério, escolhido mediante concurso público, encomenda um novo projeto a Lúcio Costa, que organiza uma equipe de jovens arquitetos, formada por Affonso Eduardo Reidy, Jorge Machado Moreira, Carlos Leão, Oscar Niemeyer e Ernani Vasconcelos (a chamada “Equipe dos Seis’), resultando desse esforço o atual Palácio Gustavo Capanema Com a criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional em 1937 Lúcio Costa passaria a integrar seus quadros com fundamentais contribuições para a historiografia da arte e arquitetura brasileiras colonial e obras como o Museu das Missões (Rio Grande do Sul) e as rampas da Igreja da Glória (Rio de Janeiro)”.
Lucio Costa 100 anos de arquitetura brasileira
Em 1939 projeta, junto com Oscar Niemeyer o Pavilhão do Brasil na Feira Internacional de Nova York, edifício mundialmente reconhecido como um dos destaques do evento. São dos anos 40 a pousada Park Hotel, de Friburgo – obra construída empregando madeira não aparelhada em sua estrutura, aproveitando materiais locais em plena sintonia com os postulados modernos -, e os três blocos residenciais construídos no Parque Guínle, no Rio de Janeiro; este prenúncio das superquadras que o arquiteto aplicaria em sua plenitude na proposta urbanística vencedora do concurso nacional do plano piloto da nova capital federal, em 1956, Brasília – a grande referência na obra de Lúcio Costa e da arquitetura brasileira. Desenvolveu em 1969 o plano piloto da Barra da Tijuca (projeto com implantação desvirtuada), assim como nessa época participa de um concurso internacional de urbanismo para uma cidade na Nigéria com Píer Luigi Nervi. Mais recentemente projetou a casa do poeta Thiago de Mello, em Barreirinha, Amazonas, retomando técnicas tradicionais de construção popular – estrutura autônoma de madeira e pau-a-pique utilizando mão-de-obra local sob a supervisão do poeta. No primeiro semestre de 1987 Lúcio Costa apresentou e teve aprovada pelo Conselho de Arquitetura, Urbanismo e Meio Ambiente do Distrito Federal sua proposta de expansão das áreas habitacionais da capital (“Brasília Revistada’: publicada na Projeto 100). (HS)
Sampa Caetano Veloso
Lúcio Costa 100 anos de arquitetura brasileira
CRÉDITOS.
Revista Projeto 1987/out/nº107 publicou no Ensaio & Pesquisa sob a coordenação de Hugo Segawa uma entrevista com Lucio Costa, um dos raros documentos da nossa arquitetura, para as futuras gerações.
A minha homenagem ao Arquiteto Umberto Napoli colega no IPHAN,no Rio de Janeiro, quando trabalhei no prédio do Gustavo Capanema.