METÁFORAS QUE DESPONTAM NOS CÉUS DO HARLEM

METÁFORAS QUE DESPONTAM NOS CÉUS DO HARLEM

OUVIR O PROGRAMA NA WEB

HISTORIAS MUSICAIS


Herbert Muschamp
26/03/2004

Tradução livre: Mauro Almada
Publicado originalmente no New York Times, edição de 13 de fevereiro de 2004, sob o título Metaphors rise in Harlem sky.

1. Watch out (Assista fora )

Harlemworld: metropolis as metaphor (O Mundo do Harlem: a metrópole como metáfora), uma nova exposição de Arquitetura, que acontece no Studio Museum do Harlem, não deve ser recomendada para quem, zelosamente, evita assuntos do tipo políticas de identidade e suas relações com os empreendimentos culturais’. E Nova Iorque, nesse mesmo sentido, também não deve sê-lo.

2.Ooh Baby

Organizada por Thelma Golden, Diretora Adjunta do museu, a mostra apresenta o trabalho de 18 arquitetos, que analisam em conjunto a instável ‘identidade’ do Harlem nestes tempos de mudança. E a julgar pelo resultado, no momento essa identidade parece muito ansiosa. O valor das propriedades, no bairro, está crescendo… e investidores externos estão entrando no mercado. O estoque de moradias está se valorizando e sendo ocupado por gente de fora. Mas esta tendência, que alguns líderes empresariais podem enxergar como um sinal de boas notícias, é interpretada, pela comunidade diretamente afetada, como uma ameaça.

3 South Indiana I

Para os arquitetos do Harlem, isto é como ficar preso numa armadilha, entre o rochedo e o mar (between a rock and good times). Seguindo a tradição, a primeira lei da Arquitetura é “conseguir o trabalho” Em Nova Iorque, o que se discute, é se a segunda e a terceira lei ainda existem. Sejam quais forem às circunstâncias, é raro encontrar uma pesquisa pública, sobre a alma arquitetônica, conduzida de modo tão cândido como se observa aqui. A exposição Harlemworld tem por objetivo ser um show de consciência.

4 South Indiana II

Um ‘contexto crítico’ é apresentado logo na entrada, através de um documentário em vídeo, realizado por Emmanuel Pratt e Olalekan B. Jeyifous. Este apresenta rápidas entrevistas de rua, com moradores, abordando as mudanças em curso. Nenhum dos entrevistados responde positivamente às transformações, e este consenso de opiniões negativas é confortador. Que outras instituições culturais, baseadas nesta um dia intelectualmente agressiva cidade, teriam ‘peito’ para apresentar a verdade, utilizando-se do encantador estilo televisivo ?

5. Last night (Ontem à noite )

Pode parecer que, no Harlem, a ironia continua presente. Muitos dos projetos da mostra dirigem seu foco para o embate entre os novos signos do ‘morar bem’ (upscale living) e a associação tradicional do Harlem com as classes urbanas inferiores. O projeto mais mordaz é o de um stand de vendas, em escala natural, para a ‘Torre da Reparação, no Harlem’, um luxuoso arranha-céu projetado com a forma de um irônico e arrogante (unpraised) punho cerrado.

6. Red hot jam

Trata-se de um projeto-paródia, ‘curto e grosso’ (straight-faced parody), assinado por Ronald Norsworthy, que seduz os compradores potenciais com aquelas tão familiares imagens ampliadas. “História / Destino / Luxo” é o slogan do empreendimento. E prossegue: “a Torre da Reparação, no Harlem, estabelece um novo padrão para o bem-morar em Nova Iorque, no mesmo nível do sofisticado comércio e instituições culturais de prestígio existentes no entorno”.

7. I’m worried (eu estou preocupado )

Arquitetonicamente, a torre é um retorno temático à linguagem corrente da disciplina, ao longo do século XVIII: um símbolo de rebeldia em meio à indiferença. Mas o símbolo é simpaticamente provido de interiores que representam a complacência burguesa. E as vistas para a paisagem, a partir deles, com certeza parecem ‘fabulosas’.

8 I held my baby last night(eu segurei meu bebê ontem à noite)

Na verdade, a fabulação – ostensivamente, uma forma mais igualitária de identidade que o luxo –, é o tema explícito de um outro projeto, Harlem: the ghetto fabulous (Harlem: o gueto legendário), de Nathaniel Belcher e Stephen Slaughter, que tenta humanizar os edifícios modernos, oriundos da renovação urbana do século XX, sem apagar sua história.

9 Madison blues

Uma imagem desse projeto, por exemplo, mostra gramados plantados no topo de edifícios residenciais altos. O desenho lembra experiências bem sucedidas de retrofitting desenvolvidas por Christian de Portzamparc em prédios abandonados, do mesmo período, na cidade de Paris.

10 I can’t hold out (fora os que eu não posso segurar )

Em House for Josephine Baker / Parody Series (Uma Casa para Josephine Baker / Séries Paródicas), Darell Wayne Fields imagina o Harlem como uma fábrica urbana produtora de negritude, seja lá o que isto possa ser. Nele, a negritude assume a forma dissecada de um projeto não construído (1929), assinado por Adolf Loos, de uma casa para aquela grande artista, cuja dança revolucionou o mundo fashion de Paris.

11. I need your love (Eu preciso de seu amor )

Utilizando um modelo para análise estrutural, desenvolvido pelo antropólogo social Claude Lévi-Strauss, o projeto parodia os esforços acadêmicos que tentam relacionar determinadas formas espaciais, bem definidas, às complexidades da diferença cultural. O projeto sugere que tais esforços, na verdade, podem ser considerados ‘politicamente incorretos’ (exploitational), uma versão pseudo-intelectualizada (high-brow) da ‘utilização’ de modelos negros na publicidade comercial.

12 I got blues (Eu quero blues)

Em sua maior parte, no entanto, a exposição Harlemworld apresenta projetos conceituais, ao invés de planos concebidos para intervenção direta no tecido material da cidade. E Metropolis as Metaphor, o subtítulo da mostra, esclarece sua orientação teórica. Às vezes se objeta que o trabalho conceitual esquiva o arquiteto de responsabilidades para com o mundo real. Na verdade, uma mostra como esta descreve o quanto o mundo real já mudou, aos olhos de seus projetistas. Assim, eesa exposição seria útil, ainda que não fizesse mais do que segurar com firmeza o alvo, objeto da observação (hold the perceptual ground).
O Harlem também pode ser aqui.

Trilha Sonora: Blues Jam at Chess” 1969
Produção e Execução.
Geraldo Costa
Colaboração
Gilson DeCésaro
Coordenação Geral
Profª Sandra de Deus – Diretora Responsável pela Radio AM 1080.

 

2 comentários sobre “METÁFORAS QUE DESPONTAM NOS CÉUS DO HARLEM”

Deixe um comentário